Quando eu tinha uns doze anos, um amigo, sabendo do meu gosto por quadrinhos, me emprestou uma revista bem especial: a edição número 100 de Heróis da TV, publicada pela Editora Abril, onde revezavam um mix de histórias de alguns dos principais nomes da Marvel, tais como Thor, Namor, Homem de Ferro e outros.

httpbdmarveldc.blogspot.com.br201110herois-em-acao-miss-marvel.html

Nessa edição comemorativa foram apresentadas duas histórias de alguns desses heróis. A primeira contava a origem do personagem enquanto a segunda mostrava uma história marcante ou de muito sucesso do mesmo personagem. E, desse modo, fui apresentado às origens do Doutor Estranho, X-Men, Homem de Ferro e dos Vingadores.

Essa revista me marcou profundamente por vários motivos. O principal foi ter me apresentado os X-Men (justamente na primeira história dos mutantes), personagens que se tornariam com o tempo os meus preferidos dentre todos os personagens super-heroicos.

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A clássica revista dando total destaque ao grupo mutante

Os demais motivos eu só lembraria algum tempo atrás. Movido por um intenso sentimento saudosista fui à caça da versão digitalizada da revista. Ao reler a segunda história dos Vingadores, tive o prazer de reencontrar uma história que, como poucas, me levou a refletir sobre questões pertinentes.

Nela, Carol Danvers, a Miss Marvel, reaparece do limbo para onde fora levada por Marcus, o filho de Immortus, o Senhor do Limbo com uma terráquea. Em retrospecto conta-se a história desse relacionamento: preso na solidão do Limbo, Marcus, por meio de inúmeros aparatos, conseguiu dominar a mente de Carol inseminando-a com sua essência, pois esse era o único modo de fugir do Limbo. Isso sem o conhecimento ou aprovação de Carol.

Para que não precisasse esperar toda uma vida até se tornar adulto, Marcus fez com que seu novo corpo crescesse num ritmo acelerado. Assim, no dia seguinte a inseminação, Carol já apresentava uma gravidez equivalente a 3 meses e em 3 dias dava a luz a criança que em menos de 24 horas tornou-se adulto. O plano de Marcus, no entanto falha, pois, por ainda estar ligado ao Limbo, sua presença na Terra desestabilizou o fluxo do tempo. Ele até tentou criar uma máquina que corrigisse o problema, mas os Vingadores desconfiados de suas intenções destroem a máquina. Marcus não tem alternativa senão voltar para o Limbo, mas não sem antes levar Carol junto, fazendo-a acreditar e dar a entender a todos que estava apaixonada. Os Vingadores não desconfiam de nada (!) e, simplesmente, a deixam ir!!!

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Logo que reli a história me chamou a atenção o modo como Marcus engravidou Carol: inseminando-a contra a sua vontade. No começo entendi esse ato como um estupro. Mas ao pesquisar sobre o assunto percebi que esse não era bem o caso. Segundo a Wikipedia:

“Estupro, coito forçado ou violação é a prática não consensual do sexo, imposto por meio de violência ou grave ameaça de qualquer natureza por ambos os sexos. Ele consiste em uma penetração da vagina ou do ânus (ou, no sentido mais amplo, também da boca) de uma ou mais vítimas por um ou mais indivíduos. As vítimas podem ser homens ou mulheres.”

Ou seja, como a gravidez da Miss Marvel não ocorreu através de uma relação sexual forçada, não houve de fato um estupro. No caso sua gravidez se deu através de uma inseminação artificial não consentida. Confesso que fiquei um tanto desnorteado quando percebi isso, até porque, toda a lógica e raciocínio desse texto se baseavam no fato de que a Miss Marvel teria sofrido um estupro, embora não tenha sido esse o ocorrido aqui. Carol Danvers na realidade sofreu uma coerção reprodutiva.

Até então eu nunca tinha ouvido falar em algo parecido. E só fui ter ideia do que realmente tinha acontecido com a Miss Marvel, depois de pedir uma providencial ajuda a minha querida Lady Sybylla do Momentum Saga, que não só me apresentou o termo, mas também me explicou tudo direitinho:

“[Coerção reprodutiva é o]… caso onde o companheiro força a companheira a engravidar dele sabotando os métodos anticoncepcionais. Furando camisinha, substituindo a pílula, furando diafragma, bagunçando a tabelinha. Enfim, ele faz o diabo para forçar a mulher a engravidar por N razões. Ou então ele ameaça a mulher se ela não engravidar dele.”

Procurei na internet mais informações a respeito, mas, fora esse link, que me foi enviado pela própria Sybylla, não encontrei nada mais esclarecedor sobre o assunto. De certa forma, não foi nenhuma surpresa.

Outro ponto que chamou minha atenção foi o modo como os Vingadores lidam com Carol durante toda a história. As palavras da heroína sobre seus sentimentos de amargura com os antigos companheiros são um excelente resumo: “De repente, eu tinha engravidado misteriosamente… Passei por uma gestação completa em três dias… Foi demais pra minha cabeça! […] E, pra piorar as coisas… Todos pareciam mais preocupados com o bebê do que comigo! Isso transformou minha mágoa em ódio!

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Embora tenha aparecido grávida de uma hora para outra, sem nenhum motivo aparente e a gravidez transcorresse em ritmo anormalmente acelerado, nenhum dos heróis pareceu dar muita atenção a isso. Como mencionado ele pareciam mais preocupados com o bebê do que com Carol em si. Foi como se, de repente, não houvesse mais Carol Danvers, existindo apenas a mãe do bebê que estava por nascer. Um invólucro sem vontade ou sentimentos cuja única função era guardar a criança até seu nascimento.

Existe um paralelo aí com a nossa realidade. Quando reli essa história, minha esposa estava em seu quarto mês de gravidez. E era notório o modo como as pessoas se preocupavam demais com o bebê. Simplesmente esqueciam de perguntar pela saúde da mãe. Mesmo sabendo que minha esposa é diabética e insulinodependente a preocupação era sempre com o bebê e tão somente com o bebê. Não acho nada demais as pessoas terem curiosidade em saber sobre a nova vida ali sendo gerada, mas não podemos esquecer que a mãe passa por profundas e intensas mudanças durante toda a gestação. E essas mudanças nem sempre são positivas ou cor de rosa como a propaganda procura fazer-nos acreditar.

Lembrando que essa lógica é igualmente aplicada nos casos de mulheres que engravidaram ao serem estupradas. Cruelmente se esquece do abuso e sofrimento pelo qual a mulher passou substituindo-a por uma exacerbada preocupação para com o feto. Quando muito tentativas canhestras de amenizar o sofrimento, como o argumento de que a criança quando nascer será uma benção para a mulher e outras similares. Esquecem que o trauma passado por ela pode ter sido tão forte, que, ao nascer, a criança não será outra coisa senão a lembrança de um ato violento e de seu criminoso autor.

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Finalmente, é interessante lembramos também do seguinte fato: nenhum dos heróis pareceu muito surpreso quando Carol decide voltar ao Limbo com o homem que a sequestrou e inseminou-a sem seu conhecimento. Apesar de Marcus já ter demonstrado o quanto era indigno de confiança, eles não só permitem, como ajudam que a heroína (quando Thor abre um portal) seja levada para o Limbo com seu “filho”.

Longe de querer esgotar temas tão espinhosos e polêmicos, procurei aqui apenas apontar alguns fatos que julgo relevantes nessa história tão rica e interessante. Sem deixar a aventura e ação de lado, somos apresentados a um drama interessante cheio de aspectos importantes de serem pensados e que ainda hoje são atuais.

Caso concorde, discorde ou lembre algum ponto ou questão, por favor, não deixe de comentar.

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6 comentários em “A GRAVIDEZ DA MISS MARVEL

  1. “Cruelmente se esquece do abuso e sofrimento pelo qual a mulher passou substituindo-a por uma exacerbada preocupação para com o feto.”
    Não é caso. Não distorça as coisas. UM FETO É UMA CRIANÇA QUE MERECE VIVER! Não é pq a mãe foi violentada, que a pobre criança inocente deve pagar! É só pensar: No caso de um assassino, os filhos dele também deve morrer por causa dos crimes do pai?
    E nem estou dizendo que a mãe deve ficar com a criança. Pq até eu acho que não deve. Ela deve dá-lo pra ADOÇÃO. (Dessa hipótese vcs não falam, né?) É muito melhor do que ASSASSINÁ-LO, FAZENDO-O PAGAR POR UM CRIME QUE ELE NÃO COMETEU!
    Ps: Antes que digam que eu não sei do que estou falando, saibam que essa pessoa que vos fala já passou pelo crime do abuso sexual na infância. Mas nem assim, eu assassinaria um filho meu que nascesse disso.

    1. Prezada Carol, antes de mais nada, obrigado pelo comentário. Fico muito triste de saber que tenha sentido na pele essa violência terrível. Quanto ao seu ponto levantado gostaria de esclarecer que, nem no trecho citado, nem em nenhuma outra parte do texto, eu fiz nenhuma menção a se assassinar o feto/criança, tampouco dei a entender que a criança não mereceria viver. Procurei apenas mostrar que, em casos como esse, é comum se esquecer do crime que a mãe sofreu e focar-se apenas na criança por nascer. Em geral retira-se da mãe justamente o direito de opinar, de decidir o que fazer. Do meu ponto de vista é importante dar a devida atenção e cuidado a ambos, a mulher que sofreu o abuso e ao feto. E se a mãe optar por levar a gestação adiante, seja para criar a criança, seja para dar em adoção, que se respeite a decisão dela. Assim também como se ela decidir optar pela interrupção deverá ter sua decisão respeitada do mesmo modo. Lembrando que, segundo a legislação vigente em nosso país, nesse caso a interrupção da gravidez não é tipificado como crime. Em resumo, não quis dizer que toda mulher com uma gravidez decorrente de violência sexual deva interrompê-la, mas sim que, em primeiro lugar a mulher e a criança tenham toda a atenção e cuidado necessário numa situação tão difícil e que se respeite qualquer que seja a decisão tomada por ela.
      Espero ter esclarecido a questão, Carol. E por favor, fique a vontade para comentar sempre que quiser.
      Abraços cordiais.

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