Essa é uma postagem um pouco diferente e nasceu dos muitos papos que tenho com a querida amiga Lady Sybylla, do excelente Momentum Saga. No meio de tantas conversas, ela me falou de como se decepcionou com esse livro “Guerra Justa”, de Carlos Orsi. Não acreditei que fosse tão ruim e acabei ganhando seu exemplar para que pudesse conferir em primeira mão e então pudesse dar minha opinião. Terminei a leitura a tempo de ler o excelente texto postado no Saga “Por uma Ficção Científica mais humana”. Acabei por sentar no computador e escrevi uma carta (isso mesmo uma carta!) sobre minhas impressões sobre ambos os textos. O resultado ficou tão bom que decidi posta-lo aqui no Habeas Mentem, como a primeira resenha de um livro do blog! Gostei tanto do resultado final que optei por postá-lo em seu formato original, como uma carta mesmo. Espero que entendam essa opção ao comentarem!

Guerra Justa, livro de Carlos Orsi

Olá, minha querida Lady Sybylla!

Hoje pela manhã, a caminho do trabalho, finalmente terminei a leitura do livro “Guerra Justa” do Carlos Orsi. Igualmente hoje tive um tempinho para ler seu texto postado ontem no Momentum Saga sobre um viés mais humano na Ficção Científica. E enquanto lia suas palavras, um sorrisinho ia surgindo na minha face bem de leve! Muitas das ideias e questionamentos ali expostos eram críticas que eu iria fazer sobre o livro de Orsi.

Aliás, que “iria” não: que irei fazer.

Antes de tudo, acredito que o grande pecado na obra de Orsi é que ele tentou criar um épico, mas não teve coragem ou ímpeto (ou talento mesmo) para imbuir sua obra da grandiosidade que todo épico precisa. Por cada página confusa e repleta de personagens rasos como um pires, são derramadas várias e várias questões que vão de metafísica a religiosidade, de opressão a estados alterados de percepção, mas sem nunca se aprofundar nelas. Assim como os personagens, vemos apenas vislumbres dos temas, nunca somos levados a mergulhar ou a questionar e refletir sobre as questões (mal) abordadas. A todo momento o livro carece da grandiosidade e aprofundamento que as ideias esboçadas pedem.

Num dos nossos vários papos pelo face, você me comentou que o belíssimo texto da Aline Valek, “Eu, Incubadora” da coletânea “Universo Desconstruído” foi acusado (sim, o termo adequado pra mim é esse: acusado) de ser um “mero ensaio”. Ora, sob o meu ponto de vista o texto de Valek é uma obra curta que assume grandiosidade pela forma inteligente e sensível com que a autora nos leva a refletir sobre os pontos levantados. Percebe o ponto? Ela nos leva a refletir. Valek a cada parágrafo, a cada nova ideia levantada e explorada vai nos fazendo um convite a reflexão, a pensar sobre os temas abordados com uma sutileza e precisão, acredito, cirúrgicas. Orsi, ao contrário, apesar de seu anseio de ser épico, teme sair de sua ZCP (Zona de Conforto Pessoal), soando sempre medíocre. A primeira é rica em considerações e reflexão, o segundo pobre em todos os aspectos possíveis. O que Valek expõe em 33 páginas, Orsi, sequer esboça em 150.

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Imagem da resenha de Dana Martins no Conversa Cult

E por falar em esboço, que tal nos aprofundarmos um pouco nos personagens? Ou não, visto que se o fizermos corremos o risco de dar com a cabeça no fundo do pires. Curioso que em certa parte do livro é citado que a Terra possuiria uma população de cerca de 10 bilhões de habitantes. A impressão é que o autor quis falar de cada uma delas citando sempre por nome, mas sem nunca nos mostrar verdadeiramente a personagem. Cada capítulo uma personagem. E quanto mais avançamos na leitura, menos conhecemos cada uma delas realmente. Rafaela, Rebeca, Donato, Bobby Petrosian, Maria Székely, Morgan, Ma Go, Madre Mônica, Pontífice Augusto Magalhães (esse aliás pretensamente o personagem principal, mas que, se analisarmos bem a obra – eu sei, é difícil – sequer aparece de fato). Vemos esses personagens desfilando pela obra sem nunca os conhecermos realmente. São apenas nomes numa folha de papel, sem identidade ou contornos, que vão se movendo pela história sem um que ou por que. O que os move ou inibe? Do que gostam? O que temem? Como vivem? Com quem se relacionam? Hoje, no Globo Repórter? Acho que não!

E aqui entra seu excelente texto:  “Ficção Científica, por sua vez, como gênero literário, tem pecado por não mostrar o humano” você disse lá! E eu exemplifico: “Guerra Justa”! Esse livro é um exemplo perfeito disso. Qual o personagem nessa obra que não passa de um nome e uma breve descrição física? E não é que não houvesse material para ser trabalhado. Além do já citado Pontífice Augusto Magalhães – um personagem com muito potencial para ser um vilão daqueles –, quando nos é (mal) apresentada Maria Székely, tive esperanças que ali teríamos alguém interessante a ser trabalhada. Nada! Ela aparece de repente, nos dá uma centelha de esperança e sem mais aquela some para sempre. Morreu? Sucumbiu com a explosão do Popocatépetl? Nunca saberemos! E por falar no vulcão trava-língua, como se deu sua hecatombe? E por falar em hecatombes, temos – ajude a contar – uma queda de cometa (vital como evento impulsionador – ou não – da obra), uma tempestade de proporções megalomaníacas, um tornado poderoso e um vulcão explodindo como uma Pompéia moderna! Quatro hecatombes, todos sugeridos como extremamente devastadores! Sei que hecatombes como os listados (salvo a queda do cometa) são eventos relativamente comuns, mas, da maneira como foram abordados na obra, pareciam mais ter sido orquestrados que previstos. Esperei alguma revelação legal ao final do livro nesse sentido. Te dou um doce se adivinhar o resultado…

Ops, perdi o foco um pouco. Influência do autor talvez, mas vamos lá! O que sempre me encantou na literatura, seja ela qual for – FC, romântica, quadrinhos, pornográfica, épica e tantas quantas – sempre foi, nas palavras do gênio Asimov em sua obra Eu, Robô: “…os estudos a respeito do jogo das motivações humanas e das emoções…” tendo a ciência e tecnologia como pano de fundo. Como em Jornada nas Estrelas ou Battlestar Galactica, que você citou em seu texto. Nessas séries temos excelente Ficção Científica, mas sempre como pano de fundo para dramas humanos. O ser humano é sempre o foco! Afinal, como vimos lá no post do Saga toda literatura é feita de humanos para humanos. Mesmo aquelas que falam sobre robôs ou máquinas! Quem sabe no dia em que robôs passem a apreciar literatura eles talvez se deleitem com alguns manuais sobre guindastes, né?

A-Enciclopédia-Online-com-17.000-materiais-de-Ficção-Científica-GEEKNESS-1
“…toda literatura é feita de humanos para humanos…”

O pior é que nem sobre ciência e tecnologia, Orsi teve sucesso. Sequer pareceu interessado em mostrar as relações destas com a população em geral. “Discorrem sobre ambas como se fosse um mero rascunho e, pior de tudo, conseguem publicar mesmo assim”. Fico pensando se não tinha o livro em mente quando escreveu isso. Suas palavras foram, para se dizer o mínimo, adequadas!

Houve vislumbres dessa interação obviamente, mas acho que já estamos meio cansados de apenas vislumbrar as coisas por aqui, não acha?

Bem, minha querida Sy, já me alonguei demais nessa carta. Acho que deu pra perceber que concordo com você quando me disse que o livro é uma merda! E o pior é quem nem ao menos fedida ela é. Completamente insosso é o que podemos falar com justiça sobre “Guerra Justa”, uma obra que quer falar sobre muita coisa e acaba por não nos dizer nada. Incrível ter sido ela lida, avaliada e publicada por algum editor.

Um grande abraço e aguardo ansioso, novos textos, novos papos, novas ideias!

Seu amigo,

Humberto Júnior

5 comentários em “GUERRA JUSTA POR UMA FICÇÃO CIENTÍFICA MAIS HUMANA

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